Em abril deste ano, Karin Rocha assumiu o posto de diretora executiva de jurídico e compliance do grupo de viagens CVC Corp, dono de marcas como CVC, Trend, Visual e Avantrip. Na empresa desde agosto de 2020, a advogada chegou ao cargo com a tarefa de diminuir o estoque de processos deixado pela pandemia e aproximar o jurídico das demais áreas da companhia. O desafio não é pequeno: em alguns períodos da pandemia, a CVC chegou a ter 3.500 ações por advogado interno.
Em entrevista ao JOTA, a diretora contou que a estratégia adotada tem dado frutos. Em algumas regiões do país em que o jurídico já fez um trabalho de aproximação e diálogo com os franqueados, o volume de novos processos caiu 30%.
“Os franqueados aprenderam a vender melhor e a fazer uma mediação antes que o cliente judicialize”, diz Rocha. Para ela, o resultado deve ser comemorado tanto por diminuir os gastos de contencioso da companhia, como por permitir que o cliente saia satisfeito e continue a fazer negócios com a CVC.
Hoje, Rocha está à frente de uma equipe interna de 40 pessoas. Fora da empresa, ela conta também com a assistência de dez escritórios para as frentes de estratégia (tributário e trabalhista) e com mais oito escritórios espalhados pelo Brasil para lidar com os processos judiciais.
“Foi uma mudança que a gente fez no último ano. Percebemos que a regionalização era importante principalmente para os tribunais locais e para os franqueados. Dá mais confiança para eles quando o advogado de fato conhece a região”, conta a diretora.
Com um estoque de processos menor, o jurídico da CVC conseguiu tempo para desenhar novas formas de lidar com o contencioso recorrente da empresa: processos de clientes por causa de problemas em viagens.
Ao perceber que tribunais e órgãos de defesa do consumidor, como o Procon e a Senacon, não tinham muita clareza sobre o modelo de negócios da companhia, o jurídico criou vídeos e infográficos explicando como a CVC atua. “O extravio de mala não é uma responsabilidade da agência”, exemplifica Rocha.
Logo nos seus primeiros meses como diretora, Karin precisou lidar com um problema tributário envolvendo o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Isso porque, no final de 2023, o governo publicou a medida provisória (MP) 1.202 que, entre outras alterações, reduziu o prazo de vigência do programa.
O Perse foi criado durante a pandemia de Covid-19 como uma tentativa de mitigar as perdas das empresas dos setores de eventos e turismo. O programa concedeu alíquota zero de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da contribuição para o PIS/Pasep e Cofins inicialmente por 60 meses para as empresas contempladas.
Com a MP 1.202, as empresas beneficiadas pelo Perse deveriam voltariam a pagar a CSLL, o PIS e a Cofins a partir do dia 1º de abril deste ano, respeitando a observância da anterioridade nonagesimal. Já a cobrança do IRPJ seria retomada a partir de 1º de janeiro do ano que vem, respeitando a anterioridade anual.
A CVC Corp, assim como outras empresas e associações afetadas pela mudança, defendeu publicamente a importância da continuidade do programa para o setor de turismo.
“A gente fez um aumento de capital com acionistas contando com o benefício tributário. Se passa dois meses e esse benefício não existe mais, como é que você comunica isso para os seus investidores? Isso nos fez questionar qual é o nível de segurança jurídica que a gente tinha”, afirma Rocha.
Após pressão do setor, foi aprovado o Projeto de Lei 1.026/2024, que deu origem à Lei 14.859/24. O texto estabeleceu a isenção de PIS, Cofins, CSLL e IRPJ até que se atinja o limite máximo de gasto fiscal de R$ 15 bilhões até dezembro de 2026.
Depois da sanção, a Receita Federal publicou uma instrução normativa para regulamentar a norma. Nela, ficou estabelecido que as pessoas jurídicas elegíveis deveriam se habilitar perante a Receita para usufruir do programa. Na visão da diretora da CVC Corp, a lei sancionada é boa. “Só a instrução normativa da Receita que deu uma burocratizada na questão de adesão ao programa”, diz Rocha.
Nos próximos meses, a diretora está de olho na alíquota que será definida para as agências de viagem na reforma tributária. “Não dá para a gente sair de 6% a 7% de imposto e ir para 20%, isso inviabilizaria o papel das operadoras intermediadoras”, afirma a diretora.
No entanto, ela considera que a inclusão da categoria de agências de viagem no regime específico de tributação, junto com hotéis e parques de diversão, já foi uma vitória importante.
Leia os principais trechos da entrevista abaixo.
Quais são suas principais metas neste primeiro ano à frente do jurídico?
A gente recalculou a rota neste ano, como eu sempre brinco. O propósito da nossa área é ser uma área estratégica. O jurídico tem a fama de ser o patinho feio, uma área de suporte e de gestão de consequência. Não é o nosso caso. A gente definiu aqui três pilares que são as nossas premissas de trabalho neste ano: aproximar, assistir e viabilizar.
Essa aproximação é tanto para as áreas internas como para os nossos principais parceiros, sejam os nossos fornecedores, seja a nossa cadeia de franqueados. A nossa função é apoiar os negócios e proteger os interesses da companhia, promover a marca, manter a confiança dos clientes, dos parceiros e dos franqueados. Queremos trabalhar em conjunto para garantir que a gente opere nos limites legais, éticos e com riscos estabelecidos.
Como essa estratégia se desenrolou nos últimos meses?
Temos visitado os nossos franqueados em todos os estados do Brasil. Meu time se dividiu e já fez a região Sul, a Centro-oeste e está terminando a região Nordeste. Temos agora pela frente as regiões Norte e Sudeste para fazer.
Nessas visitas, a gente efetivamente vai até o franqueado, senta junto e mostra para eles toda a jornada do consumidor. Abrimos os nossos números de processos judiciais e mostramos quais são as principais reclamações dos clientes e o que podemos fazer para evitar novos processos. Também ressaltamos para os franqueados como é importante que eles nos deem subsídios para podermos atuar na defesa dos processos em aberto.
Nas regiões que a gente já visitou, chegamos a ter uma redução de 30% de entrada de processos judiciais. Os franqueados aprenderam a vender melhor e a fazer uma mediação antes que o cliente judicialize. Isso é bom porque evitamos a judicialização, e é melhor ainda porque o cliente satisfeito continua dentro da CVC.
Internamente, a gente tem circulado muito nas áreas de negócio, se envolvido nos projetos desde o primeiro dia. Hoje temos mapeadas 47 iniciativas de tudo o que está acontecendo na companhia em novos projetos.
Também nos aproximamos do jurídico dos nossos principais fornecedores, o que nos permite acompanhar os processos em conjunto e alinhar as nossas estratégias. Vamos intensificar isso no próximo semestre.
O jurídico da empresa ainda precisa lidar com os efeitos da pandemia no setor de turismo?
Os números da pandemia foram os piores que nós tivemos em termos de judicialização. A gente realmente teve um boom de processos: chegamos a ter mais de 3.500 ações por advogado aqui durante a pandemia. Foi muito duro, foram meses e anos muito difíceis.
Mas, nos últimos seis meses, fizemos um trabalho intenso para conseguir reduzir consideravelmente os nossos estoques de processos judiciais. Agora, a gente lida mais com as demandas recorrentes, como questões de extravio de bagagem, atraso de voo, insatisfação do cliente. Isso nos permite buscar melhorias e retroalimentar as áreas internas com os principais indicadores, já que eles estão menos poluídos [com os processos da pandemia].
Isso nos permitiu, por exemplo, fazer um trabalho em parceria com uma consultoria externa para montar um vídeo e um infográfico explicando o nosso modelo de negócio. Muitas vezes, os tribunais confundem o papel da CVC, não entendem, por exemplo, a diferença de quando o cliente compra uma passagem com a gente ou direto no site da companhia. Não queremos nos eximir da responsabilidade, a gente preza pela excelência no serviço, mas é importante que haja essa definição de papéis. O extravio de mala não é uma responsabilidade da agência, por exemplo. Então, a gente quer fazer essa aproximação com os tribunais para ter certeza que eles entendem o nosso modelo de negócio. Fizemos o mesmo com o Procon e com a Senacon.
A empresa investe em métodos alternativos de resolução de conflitos?
A gente tem um sistema de captação dos processos judiciais, acho que todas as empresas hoje em dia usam, então os processos chegam na nossa esteira muito rápido, não precisamos esperar a citação. Conseguimos também recentemente também uma inteligência artificial que alimenta o processo com subsídios. A nossa expectativa é que isso reduza ainda mais o tempo de resposta, porque os escritórios já vão receber o processo com subsídios. Então, logo no primeiro dia vai ser possível discutir se cabe um acordo ou não. Se é um caso em que efetivamente houve um atraso de reembolso ou um erro de venda, não tem porque contestar. Não faz sentido ficar recorrendo nesses casos. Além de gerar mais gastos para a companhia, você procrastina e deixa o cliente insatisfeito.
A CVC defendeu publicamente a continuidade do Perse. O que acharam da reformulação feita no programa com a sanção da Lei 14.859/24
O programa é essencial, foi uma temeridade essa tentativa de encerramento [no final de 2023], porque as empresas precisavam ainda de um tempo de recuperação. Embora a gente tenha resolvido os processos judiciais, a empresa ainda arrasta uma série de despesas por alguns anos. Não tem como negar que nenhuma das empresas do setor se recuperou por completo até então. Por isso, a continuidade do programa era muito importante para o setor todo.
No caso da CVC, o fim do programa nos assustou muito. Especialmente porque a gente fez um aumento de capital com acionistas contando com o benefício tributário. Se passa dois meses e esse benefício não existe mais, como é que você comunica isso para os seus investidores? Isso nos fez questionar qual é o nível de segurança jurídica que a gente tinha.
[A Lei 14/859/24] ficou boa. Podia ficar melhor, mas ficou boa. Só a instrução normativa da Receita que deu uma burocratizada na questão de adesão ao programa.
Qual é a sua avaliação sobre a reforma tributária até o momento?
A gente ficou com o regime junto com os hotéis, mas ainda trabalhando muito para definir a alíquota. Para nós, o importante é a empresa estar dentro do regime diferenciado. Agora, a nossa única preocupação é a questão da alíquota. Temos feito alguns estudos econômicos com a Tendências Consultoria para de fato chegar ao que seria uma alíquota justa, factível. Não dá para a gente sair de 6% a 7% de imposto e ir para 20%, isso inviabilizaria o papel das operadoras intermediadoras.
Qual dica daria para um advogado ou estudante que sonha em trabalhar com Direito corporativo?
É preciso ir além do Direito. A gente tem que ser mais pró-negócio. Nunca esquecer de ser advogado, mas é importante ter um conhecimento mais amplo do negócio. Faz diferença conhecer a empresa, os números, o impacto financeiro e ir além do jurídico. Isso é fundamental.
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