A CVC Corp — gigante de turismo brasileira — já colhe frutos da guinada na gestão em junho, após o retorno da família do fundador, Guilherme Paulus. Um aporte financeiro permitiu renegociar a dívida do grupo. E o comando passou às mãos de Fabio Godinho, um ex-executivo da CVC. As mudanças trazem de volta o DNA da empresa, conta ele:

— Retirar o intermediário é a fórmula do operador de turismo trabalhar. Não estamos inventando a roda, mas reconstruindo a roda.

A estratégia de fortalecer produtos exclusivos inclui voos fretados, bloqueio de assentos em voos regulares e hospedagem diretamente com os fornecedores, garantindo preços competitivos. A CVC deixou de impulsionar a Submarino Viagens, o que provocou um impairment (baixa contábil) de R$ 77,1 milhões no terceiro trimestre, ocasionando um prejuízo de R$ 87,5 milhões.

Sem essa e outras baixas, o lucro ajustado seria de R$ 36,3 milhões. As vendas avançam ainda com financiamento alternativo ao cartão de crédito, como via empréstimos com saque-aniversário do FGTS

O que é retomar o DNA CVC?

Há pilares de ajuste nessa virada de chave desde junho. E já estamos colhendo alguns frutos. Ficou demonstrado no nosso primeiro resultado, do terceiro trimestre, com lucro operacional após 14 trimestres de prejuízo. Isso pagando imposto, juro, tudo, e tirando efeitos não recorrentes e que não têm efeito no caixa. Teve o grande ajuste contábil da Submarino.

Por que a baixa da Submarino?

Uma das estratégias da CVC é não competir com nossos parceiros porque existe muito overlapping (sobreposição). A Submarino vendia passagem aérea na internet. Não queremos canibalizar, queremos gerar nova demanda. Se o passageiro está comprando ali, não está comprando direto no site da empresa aérea. Não estamos descontinuando a Submarino, mas decidimos deixá-la como vitrine para vender produtos da CVC.

As aéreas reclamam das agências on-line…

Sim, programa de milhagem não foi feito para você vender milha. A Submarino, que vende bilhetes, segue funcionando, mas a gente não está investindo mais em divulgação. Fomentar venda de passagem aérea on-line não está nos nossos planos.

Quais foram os pilares de ajustes na companhia?

Voltamos para a governança que funcionou: ter um parceiro sócio-financeiro no Conselho, com Opportunity e Pátria, e um sócio que conhece o negócio, que é a volta da família Paulus. Nessa nova composição, todos representam investidores diretos na companhia. Outro pilar é o de redirecionamento estratégico. A primeira coisa é produto exclusivo CVC: fretamento aéreo, block charter (bloqueio de assentos em voos regulares), negociações exclusivas com hotelaria, serviços receptivos. Isso havia desaparecido. E permite baratear aéreo em 20% a 25% no Brasil, por exemplo.

Veja foto dos quatro hotéis do Rio que estão entre os melhores do mundo

Como fica na prática?

Quando assumimos, estávamos vendendo 400 hotéis em Buenos Aires, todos através de broker (corretor). Nenhum tinha contrato direto. Isso é o contrário do que uma operadora tem de fazer. Já voltamos a 100% dos contratos diretos com fornecedores dos principais destinos. Estou citando Buenos Aires, onde agora são 80 hotéis (quase todos com contrato direto), mas aconteceu nos outros destinos.

Isso acelera crescimento?

Retirar o intermediário, não que a gente não use broker, é a fórmula de o operador de turismo trabalhar. Não estamos inventando a roda, mas reconstruindo a roda. Quando a gente fala de produtos exclusivos, isso só aumenta a margem e, até o fim de 2024, a gente vai ter isso no share do total das vendas no B2C (ao consumidor), uma penetração maior desses produtos exclusivos. A tendência é que a gente volte o take rate (ganho por embarque realizado) a níveis históricos.

É ganho em competitividade?

Exato. Dá uma vantagem competitiva absurda à CVC. Isso é muito importante para aumentar volume de vendas, margem via take rate. Outro ponto é a venda física e a combinação do marketing on-line com off-line. Estava concentrado no on-line. No combinado, fazemos valer nossa grande vantagem no físico, que é fazer a entrada (do cliente) pela porta e pelo computador da loja. É importante porque a decisão de férias é híbrida. A pessoa vai pesquisar muita coisa na internet. Mas também quer ter a recomendação de um profissional habilitado, porque é preciso tomar a melhor decisão. Traz competitividade em preço e qualidade.

E a venda digital avança?

Nossas lojas têm 40% das vendas pelo digital. A pessoa sabe que está sendo atendida pela Ana da CVC do Shopping Leblon. Dá segurança ao cliente, ainda mais com a quebra de outros players. As pessoas tendem a buscar segurança.

Há outras estratégias?

Há foco em oferecer financiamento de formas de pagamento alternativas ao cartão de crédito. Agora em novembro, mês de ofertas muito fortes, a gente lançou o pagamento de pacotes através de financiamento com garantia do FGTS (por meio de financiamento que antecipa parcelas futuras do saque-aniversãrio) do cliente, exclusivo para a CVC, em até dez vezes. Voltamos com a mesa de crédito proprietário (boleto). Nossa inadimplência é irrisória. Tem ainda o financiamento em até 60 vezes com o Banco do Brasil, em piloto com a CVC.

Usar o FGTS ajuda a lidar com a queda na renda devido a inflação e Selic elevadas?

Sem dúvida. A gente vê essa taxa de juro caindo, mas não na velocidade em que o brasileiro gostaria. É uma alternativa de aderência muito grande com o nosso público. Temos ao menos 150 pacotes vendidos este mês. Está ganhando tração, e vai ficar.

E se o governo mexer no saque-aniversário? O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, tem dito que o FGTS deveria ser mantido como uma reserva de emergência para o trabalhador em caso de demissão…

Quando se gasta em turismo, está se gerando atividade econômica. Cada pacote vendido movimenta mais de 50 atividades econômicas no país. De cada dez empregos, um vem do turismo. Já correspondemos a 8% do PIB. Tenho absoluta certeza de que esse dinheiro está sendo muito bem empregado, gerando mais venda e emprego Brasil afora.

A opção ao cartão é para alcançar a classe C?

Pega todo mundo. Isso leva ao quarto ponto da estratégia, que é crescimento de lojas cada vez mais no interior do Brasil. Essa questão do cartão está mais ligada a essa interiorização. Cuiabá (MT), por exemplo, é uma das praças que percentualmente mais utiliza boleto. Não é região de renda per capita baixa, ao contrário.

Quantas novas lojas?

De junho e até o fim do ano, 60. Isso mostra confiança da nossa base franqueada, porque a gente fala a língua deles, conhece do negócio. E aí não tô falando do Fabio Godinho, mas da equipe. Nossa intenção é voltar nos próximos anos com as 1.400 lojas que tínhamos antes da pandemia. Isso já está mapeado. Já temos o estudo de viabilidade de 350 lojas. Quando estiver concluído, teremos 70% das lojas fora das capitais do Brasil.

Como está o banco de vagas aberto para essa expansão?

Criamos o programa Passaporte Franquia para suportar a expansão . Ele ajuda os franqueados como um hub de coleta de de dados de pessoas que têm interesse em trabalhar na CVC. Já recebemos 15 mil currículos desde o fim de setembro. Até aqui, 22 lojas já contrataram 40 pessoas. Há 150 em entrevistas.

Para onde o brasileiro quer ir?

Com produtos proprietários, a gente vem crescendo muito em Porto Seguro, Maceió e Serra Gaúcha. São os três destinos mais relevantes no país. No internacional, a malha aérea volta mais ou menos ao que era pré-pandemia só ano que vem. Mas alguns destinos já retornaram a esse patamar, caso da Europa, com Portugal, e América do Sul, com Argentina.

O cliente está atento a preço?

Tinha gente comprando pacote que não existe por preço que não existe. Mas estamos com essas alternativas de financiamento. Um alicerce da estratégia da CVC é fazer a viagem caber no bolso do cliente tanto por competitividade de preço quanto pelo parcelamento.

A crise de Hurb e 123milhas teve impacto na CVC?

Em setembro/outubro, veio uma grande quantidade (de pedidos) de orçamento. Mas a conversão (em vendas) ficou em patamar normal. Esse aumento da conversão está vindo agora em novembro, com o planejamento das férias de 2024. À medida que as aéreas subiram muito o preço, em até 30%, esse cliente teve um choque de realidade do quanto realmente custa um pacote.

O que espera da Black Friday?

Estamos com uma campanha brutal. Entre os dias 17 e 30, quando nossa propaganda passar na TV ou em mídias on-line, vai aparecer um QR Code. Ele traz uma roleta com um QR Code premiado, que pode ter pacote com 99% de desconto, cabine de navio a R$ 1. Há ofertas por 48 horas.

O turismo segue crescendo em 2024?

Em cruzeiro, a gente está dobrando a venda em relação ao ano anterior, temos ganhado participação gigantesca no segmento. No nacional, a malha de voos voltou ao patamar de 2019, mas esse mercado doméstico deve crescer de 5% a 7%. O internacional deve crescer 20% a 30%. E deve restabelecer malha (de voos) de Caribe e Estados Unidos, além de um crescimento próximo de 10% em Europa e América do Sul. Estamos preparados para capturar essa expansão (de oferta).

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